Breve Histórico.
A busca predatória por lucro, principalmente no âmbito dos contratos de empréstimos bancários, leva à oferta de crédito facilitado, sem burocracia, com liberação instantânea e, muitas vezes, acima dos limites da margem consignável.
Muitas instituições financeiras realizam as ofertas de crédito por diversos meios, a exemplo de ligações telefônicas, mensagens de WhatsApp, stands e lojas em feiras, shoppings e diversos outros locais e formas. Chegam a “terceirizarem” os serviços de oferta de crédito a agentes autorizados por essas instituições financeiras a realizar a oferta dos serviços destas instituições. Tudo, no objetivo de atrair cada vez mais clientes.
O Problema!
Com essa facilidade de acesso ao crédito, pessoas sem o razoável controle de suas fianças tendem a “aproveitar as oportunidades” e assumir obrigações de crédito que depois não conseguem pagar, ou pagam ao custo de se privarem de necessidades básicas.
Há, também, aqueles que devido alguma situação de excepcionalidade da vida se viram obrigados a recorrer aos empréstimos para resolverem problemas urgentes.
Diante dessa realidade, muitas pessoas acabam endividadas, com o CPF negativado, na busca de oportunidades para obtenção de pagar as dívidas, mas se veem sem saída. Assim, excluídas do mercado de consumo em alguns casos não conseguem, até mesmo, dar continuidade às suas necessidades básicas (vestuário, alimentação, lazer, moradia, saúde etc.), pois mal sobram recursos para sobreviver, após diversos descontos realizados. Ou seja, sequer possuem recursos para manutenção do mínimo existencial.
É esta a situação que a lei e a doutrina do direito chamam de Superendividamento: aquela em que o devedor possui tantas dívidas que o seus recursos mal são suficientes para manutenção do básico, de modo que grande parte de sua renda fica comprometida para pagamento de dívidas de empréstimos.
A Solução: Lei de combate ao Superendividamento!
Nesse cenário, surge a Lei nº 14.181 promulgada em 01 de julho de 2021 que alterou o Código de Defesa do Consumidor e trouxe diversos dispositivos para combater diversas distorções na oferta do crédito, bem como para traze uma solução à triste realidade de muitos brasileiros que se encontram em situação de superendividamento.
Do Tratamento do Superendividamento
A Lei do Combate ao Superendividamento, além de diversas novidades, possibilita (art. 104-A e seguintes) a conciliação com os credores “em bloco”. O consumidor procura um advogado de sua confiança que o aconselhará no melhor caminho para renegociar suas dívidas.
Existe a possibilidade de se conseguir, na via judicial, o deferimento de pedido para o juiz determinar a suspensão de cobranças dos credores de valores que ultrapassem um percentual razoável da renda líquida do consumidor superendividado, até posterior solução final do processo.
Nesse caso, o processo terá seguimento e, em determinado momento, serão conciliadas as dívidas existentes a um valor e forma razoáveis. Com a decisão judicial que defere este pedido, o consumidor superendividado passa a ter sua renda liberada para viver (não apenas sobreviver).
E como ficam as dívidas dos processos que estão em execução? E, ainda, como ficam as inscrições em SPC/Serasa?
As eventuais dívidas que estão em fase de cobrança judicial, além das inscrições em cadastros de restrição ao crédito (SPC/Serasa) serão suspensas até a solução final da Ação ajuizada pela pessoa superendividada.
Com isso, ela volta a ter o seu CPF livre para voltar a consumir de modo responsável, permitindo o retorno ao estado de sua dignidade.
Limitação de Descontos. Como funciona?
Como visto, o juiz pode deferir um pedido de tutela de urgência e o salário do consumidor superendividado líquido pode retornar a patamares aceitáveis, de modo a possibilitar que o superendividado retorne ao mercado de consumo e garantir as despesas para manutenção do seu mínimo existencial.
Suponhamos que uma pessoa tenha renda mensal bruta no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), mas tenha de desconto obrigatório R$ 1.000,00 (um mil reais) a título de imposto de renda e contribuição previdenciária, sobrando a renda líquida de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Suponhamos, ainda, que esta mesma pessoa possua diversas dívidas decorrentes de empréstimos, cartão de crédito, cheque especial, tarifas de energia elétrica, fornecimento de água e quaisquer outras dívidas de consumo (exceto as consideradas de luxo).
Imagine que estas dívidas alcancem o patamar superior a 30% da renda líquida. Imagine o valor das dívidas alcança de R$ 7.000,00 (sete mil reais).
Assim, sobra para o consumidor apenas R$ 3.000,00.
E isso é mais comum do que se pode imaginar.
Com a lei do superendividamento, o juiz pode deferir a Tutela de Urgência, de modo que o valor atual líquido, em questão de dias, pode ser reduzido e o desconto das dívidas mensais que alcançam R$ 7.000,00 passa a, no máximo, de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Olha que maravilha: a renda líquida do superendividado que então estava em R$ 3.000,00 passa a ser de R$ 7.000,00!
Este mecanismo legal possibilita a existência digna e a continuidade de suas necessidades básicas, o que a lei chama de garantia do mínimo existencial.
Quais são os próximos passos?
Com a medida judicial cabível, o processo tramitará para o Devedor apresentar um plano de pagamentos em parcelas que caibam no seu bolso, em determinado período máximo de 5 anos e de forma adequada para se chegar a solução do caso.
A negociação será realizada “em bloco”, ou seja, serão chamados ao processo todos os credores do consumidor superendividado e apresentado um plano para o pagamento parcelado.
Esse plano e esse bloco são discutidos entre o advogado responsável e o consumidor superendividado para resolução do problema.
Revisão das Dívidas
Além do pedido de renegociação, também é possível revisar os empréstimos para apurar eventual abusividade nos contratos de empréstimo (muito comum, diga-se de passagem).
Estas abusividades normalmente ocorrem nas taxas de juros dos empréstimos contratados, na inclusão de seguros atrelados ao contrato, vinculação às despesas do banco com cobranças (judicial e extrajudicial) do devedor, dentre outras cláusulas abusivas que podem ser analisadas, caso a caso, quando o Advogado especialista irá interpretar os contratos.
Assim, na medida judicial cabível para enfrentamento à situação de Superendividamento, o advogado pode pedir: (i) a suspensão dos descontos de valores superiores ao mínimo existencial; (ii) a negociação em bloco das dívidas; (iii) a revisão das dívidas, em caso de eventual abusividade nos contratos, dentre outros.
Tudo irá depender das necessidades e possibilidades do cliente, do conhecimento técnico-jurídico do advogado e das peculiaridades do caso.
Advertências
O sucesso no pedido de revisão com base na Lei do Superendividamento vai depender de um trabalho acurado, atendo e nada simplório a ser desenvolvido pelo advogado especializado e experiente na área.
Por isso é necessário advertir ao consumidor para procurar um advogado de sua confiança para análise do caso e proposta de solução personalizada.
Outra coisa: o objetivo da lei não é desafogar o consumidor superendividado para que este assuma mais empréstimos e retorne ao estado de superendividamento mais precário que o estado anterior.
O objetivo é possibilitar ao superendividado o retorno ao mercado de consumo de forma consciente, para manutenção das suas necessidades básicas.
Por isso, a tutela de urgência a ser requerida (e deferida) tem o objetivo de possibilitar ao consumidor que ele consiga se organizar, guardar recursos, pagar dívidas outras, e apresentar um futuro acordo. Não é para se afundar em novas dívidas, sob pena de se considerar a má-fé do consumidor.
Por isso, cuidado! O objetivo da Lei é ajudar o superendividado e não possibilitar o acesso a novas formas de se endividar.
Como os Tribunais estão decidindo sobre o assunto?
Mesmo antes da atual Lei, os tribunais já vinham entendendo de forma favorável aos consumidores superendividados e, principalmente agora, após a inovação legislativa.
Por isso, as chances de sucesso no pedido são altas, embora não se possa garantir ganho de causa a ninguém, sob pena de se configurar infração ao Código de Ética da Advocacia.
As chances de sucesso são altas devido a jurisprudência (reiteradas decisões judiciais) caminharem neste sentido e da expressa previsão legal nesse sentido.
Qualquer pessoa pode aderir a esta oportunidade de renegociação das dívidas e de suspensão das cobranças?
A lei possibilita a renegociação dos pagamentos e eventual suspensão de cobranças superiores a um patamar médio de 30% da renda do endividado, mas isto se aplica apenas a pessoas naturais (pessoas físicas) e não às pessoas jurídicas.
Importante lembrar que esta lei não se aplica ao consumidor que assumiu a dívida em fraude ou má-fé com o nítido propósito de valer-se dos benefícios desta Lei.
Qualquer dívida pode ser renegociada e suspensa a cobrança, na forma da lei?
As dívidas decorrentes da relação de consumo podem ser objeto de renegociação e suspensão previstas nesta Lei do Superendividamento.
As exceções ficam por conta dos empréstimos com garantia real (financiamentos de veículos e de imóveis) e os créditos rurais. Não entram, também, dívidas para aquisição de itens considerados de luxo.
E agora? O que fazer?
Para resolver o problema, procure um advogado de sua confiança com expertise nestes tipos de ação para avaliar o seu caso.
Se possível, leve cópia dos contratos de empréstimos, contratos de financiamento, breve resumo dos valores pagos até o momento, relação de dívidas e credores, dentre outros documentos que podem ser solicitados, conforme orientação do advogado que irá cuidar da causa.
13 de dezembro de 2021
Autor:
Lucas Amaral
Advogado Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Tributário, Assessor Jurídico com experiência e expertise nas áreas do Direito Administrativo, Tributário e do Trabalho.
Larga experiência na advocacia militante no Direito Civil (Direto do consumidor, Direito Bancário, Direito Contratual, de Família e Sucessões)